“é como se conhecêssemos bem o tempo?”

Arquivo para maio 12, 2009

o lado certo!

Li isso hoje e não podia deixar de escrever aqui, de pensar a respeito. Comentava o filósofo Vinicius de Figueiredo o extraordinário livro Crítica e Crise, de Reinhart Koselleck, obra que tenho batido cabeça tentando compreender.

Atualizando o debate de Koselleck, que se inseria no bojo da guerra fria dos anos 1960, o autor aponta as opções políticas dessa época: o capitalismo liberal e o socialismo marxista. Do lado destes últimos, e nisso concordam quase a unânimidade dos marxistas, de Michel Lowy a Fredric Jameson, de Nikos Poulantzas a Adam Schaff, estaria a moral e a verdadeira crítica, uma vez que seria óbvio que a causa operária era O lado certo a ser seguido por qualquer política que se pretendesse ética.

É no que Figueiredo, seguindo Koselleck, escreve:

“Pois ao efetuar-se em nome da crítica, esse exercício não quer se isentar de todo julgamento propriamente político? Com efeito, não são outras as prerrogativas do governante neocrítico: embora lance mão dos expedientes mais tradicionais da política; justifica-os por estar do lado certo da história; compondo com o que diz ser o que há de refratário na vida pública, alega fazê-lo em nome da emergência do novo; e, quando desqualifica seus oponentes como visionários que ignoram aquilo que afinal está em jogo, define a política como a arte do possível”.[grifos do autor]

A clareza de uma definição da postura arrogante de um certo marxismo aqui foi qualificada com precisão. Nada contra o marxismo em si, mas sim contra seu pretensão de se constituirem no “lado certo” que para se efetuar pode usar de qualquer artimanha.


Inclassificáveis

Ney Matogrosso é a figura mais ousada do Brasil. Ele é o único que está à beira do ridículo e jamais cai nele. O único que move o próprio corpo e sexo como um estandarte, mas sem jamais oferecer ambos aos seus espectadores.

Ele também é um balde de água fria na cultura midiática e musical brasileira. Perto dele o resto é vulgaridade e mediocridade. Lembra-nos, como fez o pai de uma amiga de Cyro, que podíamos até admitir o medíocre, mas a vulgaridade deveria ser intolerável.

Na sexta-feira vi o novo show Inclassificáveis, de Ney Matogrosso, e juro que ele esacapa a qualquer definição fácil. Comprando com os outros shows que vi a diferença é gritante: Rita Ribeiro, Zeca Baleiro eram todos bons cantores em shows elétricos; R.E.M. era o que se espera de um show de rock; Bjork tinha uma presença bonita mas conceitual demais; Marisa Monte era bom e pasteurizado; Nação Zumbi e Paralamos, juntos, faltaram derrubar o centro de Recife, mas eram o que se esperava. Não ofereceram música e espetáculo, crítica e ousadia na atitude de estar no palco, não oferecem o corpo a seus espectadores e bateram na mão que o tentaram pegar.

Ney fez tudo isso e muito mais. Ele entra no palco cantando O Tempo Não Pára vestido num tecido fino repleto de lantejoulas que brilham conforme os canhões de luz mudem a cor e a intensidade. Seus movimentos leves e precisos eram repletos de gingados numa impressionante forma de mais de 60 anos, esguia e repleta de adereços brilhantes, de tiaras a saiotes. Ney surge em cima de um sofá, único enfeite no palco junto a sua incrível banda.

Dali em diante foi o delírio. Ele troca de “roupa” no palco. Tira saiotes e tiaras e põe colares e outros saiotes. Num determinado momento, no avançado do show, tira a pele com as lantejoulas e vemos que ele está com outro tecido, mais fino, e pintado com figuras (indigenas talvez) que mais parecem sobrepostas a sua pele. Ney não usa nada: apenas um tapa sexo, uma vez que o o tecido é transparente e um fio dental. Ele está descalço e quase nú. Se oferece ao público, deita no sofá, ira seus míseras peças de roupas, coloca outras por cima, quase uma puta velha, quase uma trava (na verdade um pai – ou mãe – das travas), quase só quase vulgar, mas sua persona não o deixa jamais cair.

Ele supera tudo, deixando claro que se existem coisas das quais ele se afasta são do senso comum, da vulgaridade, da mediocridade e do conformismo. E toda vez que ele oferece um naco de si mesmo, e alguém estende a mão para pegá-lo, ele bate na mão de quem tenta e nos lembra: é só um show!

E o show seguia cantando mais de uma vez Cazuza (as partes mais fracas, infelizmente, pelas músicas escolhidas), Los Hermanos e outros sucessos. Praticamente não cantou nenhum dos seus sucessos consagrados, e a maioria foram canções dele, não tão conhecidas como Novamente (um dos momentos mais bonitos do show). O show contudo tem vários pontos altos: Simples Desejo; Mente, Mente; Veja Bem, Meu Bem; Mal Necessário; Inclassificáveis; Um Pouco de Calor.

Se fosse fora do Brasil, Ney seria um monstro da arte perfomática e da música contemporânea. Pessoalmente o acho bem melhor do que Pina Bauch.

Há momentos em que não se sabe se o show é sobre o tempo, sobre o próprio Ney que envelhece e o faz como poucos. E antipaticamente (risos) pois ele não conversa com o público.

Certo é que ele é corajoso e perfomático, ousado e original como poucas vezes na vida pude ver. Inclassificáveis é realmente isso, indefinível, pois como ele diz numa das canções: “O que não tem duas partes, na verdade existe”. Seu show é um todo!


o útero

Assistindo Pânico na TV, eles usaram uma frase clichê, mas verdadeira: “Porque Deus não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ele criou as mães!”

Essa frase é incrivelmente verdadeira. Fico a pensar o que seria da humanidade sem as mães. Certamente bem pior do que é! Esses dias estive afastado da net porque ficara enclausurado, primeiro num hotel, depois num hospital. No hotel sonhei um sonho estranho: estava em Teresina em meio as enchentes dos rios e encontrava minha mãe e minha avó. Elas me abraçavam e diziam que eu tinha que encontrar os pais de uma menina de cabelos dourados e olhos azuis que havia se havia perdido deles na calamidade.

Passei o sonho procurando, entrei em águas fedorentas e lodentas, andei pela Tabuleta, em Teresina, e sempre voltava ao mesmo lugar onde a menina estava. Numa hora, exausto com meu fracasso comecei a chorar agarrado com a criança. Acordei pouco depois.

Acordei de vi o Sol do lado de fora do quarto, lembrei do dia das mães, perguntei-me o que queria aquele sonho. Sem ter talento para intérprete espiritual ou psicanalítico, posso concluir pela saudade de minha mãe, por ter pensado tanto em minha avó esses dias, e pelo fato de que não tinha útero! (risos)

Sim, porque as mulheres têm útero! E isso faz toda a diferença de percepção pelo mundo. Faz delas seres estranhos e loucos, mas magnífícos e magnânimos, menos egoístas do que os que homens.

No hotel vi uma senhora estrangeira. Ela era bonita e mais velha, e sorria o tempo todo. O tempo todo! Estava sempre sorrindo, parecia feliz demais. Mas não era fácil! Fiquei a pensar: “como alguém pode ser tão feliz?!” Ela estava lá só com o marido e ficava horas lendo na beira da piscina.

No mesmo dia vira uma senhora com sua linda filha, uma graça de menina e a alegria dela com a criança era assustadora. Vi-me como pai e percebi que essa seria uma alegria inimaginável até ser vivida. Num flash, vi o sorriso da estrangeira estampado no rosto de minha mãe pela minha existência e de meus irmãos. Essa incomensurável sensação de ter um filho e gostar dele tão profunda e incondicionalmente que deve ser sufocante.

Assim como proporcionais são as tristezas e dores que seus desentendimentos com eles lhe trazem. Percebi muitas coisas que não tenho como escrever aqui. Umas bem sérias e boas, outras bem sérias e terríveis, mas todas relacionadas a presença das mães no mundo.

A senhora sorridente a mãe feliz do hotel, minha avó no meu sonho, a criança de quem procurava os pais, tudo se juntou pra eu pensasse que minha mãe não é deste mundo, deve ser de outro, menos uma deusa do que um princípio da vida, a minha!

Seguindo um secreto bailar meus pensamentos voaram até ela e lá ficaram, tristes por não estar ao seu lado. E cada pessoa mais marcante tinha seu rosto.

Invadido pela certeza do meu amor por ela, fiquei assim, meio que bobo e tristonho!

As mães têm útero. Isso muda tudo!

A minha mãe muda tudo!